Um dia você vai até um terreiro de Umbanda.
Fica ali, sentado na assistência.
O rito começa. Ai, você fica entorpecido com o cheiro da defumação, confessa, você até fica envergonhado, por que todos ali estão em único coro... " corre gira Pai Ogum...filhos quer se defumar..."...ouve o Hino da Umbanda... ah! que lindo... abre-se as cortinas, e você vislumbra o Congá, o Altar...enfim, lá em cima, em uma prateleira Jesus Cristo, com uma pose bem familiar: abençoando... é Oxalá alí... e abençoa igual, e você entende... você sequer presta a atenção em todo desenrolar da " sessão", só percebe um pessoal com " cara boa", com cara de " felicidade!!", a defumação agora invade todo ambiente, inclusive você vai sair dali e vai levar aquele cheirinho gostoso de ervas... " incrível!!! - pensa você, porque não vim antes??", repara que todos estão descalços, deitam defronte ao altar,ao congá, depois, cada um ( filhos você sabe depois), trocam abraços, trocam olhares, e fazem um grande circulo.... começam a girar... a cantar, a bater palmas... é fantástico... é lindo! você não sabe o que é, mas, dentro de você uma coisa pulsa... " será algo ruim? será o que???" Você não sabe. Num outro canto, ali, bem a esquerda de seus olhos, os tambores... sim, os atabaques, um batimento, um soar de não sei o que, e você se deixa levar... é a magia da Umbanda.
Você senta. Espera ansioso por sua vez, aquilo tudo é um espetáculo, e em seu banco surrado, você fita imagem de Pai Oxalá -Jesus Cristo... vagueia em pensamentos... esqueceu o que foi fazer ali. Não se lembra. Você está em paz. Sentiu, ao menos por instantes a paz... ah! frágil paz, mas, você sentiu... " preciso voltar mais..." Sua vez chegou.... frio no estomago.... o que vou dizer? - o que vou pedir? você entra no " cantinho mágico" e fica zonzo, meio tonto... parece que não é você, mas, é você, o arrepio chega até suas costas sem permissão... Medo. Alivio.Estranho. Zonzeia. Mas, se segura.... afinal, primeira vez... nada de vexames... " o que há comigo??- pensa de maneira rápida e sabe que nao tem respostas, o que há comigo?".
Fica defronte aquele moço. Magro. Frágil, sentando num banquinho de madeira, calças levantadas até a canela, você olha aquela imagem e não entende, um jovem com aquela voz ... uma voz... voz de velho, falando tudo errado, como um caipira... você olha naquele rosto, nunca viu,não sabe sequer o nome dele e enquanto isso, a mao do moço magro, solta no ar... esperando seu toque... " Deus te abençoe fio... ispantadu ?suncê num ná cum medo né zifio?" E espantosamente você não fala. Não diz nada. É invadido por outra sensação, nunca saberá explicar, só quem sentir aquele toque entenderá, e então, sem mais nem porque, você se deixa levar...Você fala da vida, de flores, dos medos, de dinheiro, fala do chefe que não entende o quanto você se dedica, fala da vida difícil de levar o pão pra casa, reclama sim, afinal, aquele moço perguntou... logo, você deslanche um fio de queixas... entre frases de queixas e outras, o tal moço leva o cachimbo a boca, e intercala com um café ... você até bebe um pouco, mas, pela primeira vez alguém quer lhe ouvir, café bebe depois e você continua com suas queixas. A zonzeira se foi, você se percebe, você olha pras suas mãos, seus dedos, a calça ainda com vinco, as unhas de seus pés sempre fora bem desenhada, percebe de repente o cheiro da sua camisa, mesmo suada depois de um longo dia de trabalho, você se percebe... percebe até o tum tum de seu coração... estranho... tudo é silencio ao seu redor... o moço finalmente conclui: " Fio...suncê tem saude, e boi bão, é minino de luta...suncê tem qui acarmá o coração, a cabeça du fio faz tudo correndu e o coração bate junto, fio, suncê num si isqueça que Pai Oxalá cuida dus fio, mas, si os fio num pará a cabeça num vai funcioná, suncê bota pra respirá esse seu coração,pruquê fio, suncê tem saude,suncê tem tabaio e agradeça a Pai Oxalá sua vida fio.... acalma a cabeça...óia as arvres, óia o céu...suncê é criatura do Pai....suncê num é merecedô de sufrimento...suncê num sofre, suncê tá com as coiseras da vida.Vivê num é só isso fio..suncê oiou sua mãos, seus pé,suncê ouviu o coração...suncê ouviu seu espritu fio???" Você percebe seu propósito ali. Em frente aquele congá, aquele cheiro de ervas, você sentiu seu espirito, ali você encontrou a magia da Umbanda, que fora a paz de espírito, a certeza que além da vida do dia a dia, há a saude espiritual, e fatalmente logo logo essa padeceria... você sabe que aquele encontro nao irá resolver todos os problemas , mas, algo dentro de você mudou... nao sabe bem oque...uma vitalidade, um entusiamo, um novo " eu" nasceu... se você teve sorte? isso você nunca saberá, mas, só quem encontra um Preto Velho é tocado pela energia branda e apaziguadora: sempre haverá um amanhã. O abraço de despedida não foi uma despedida, o olhar daquele moço não foi um olhar em vão.
Você voltará.
Você deve voltar.
Você volta pro seu canto, ali na assistência, e só tem olhar prá todo lugar. Tudo agora ficou familiarizado, tudo agora ficou acolhedor. Só quem viveu entende o que você sentiu.
Adorê as Almas, e Almas me atenderam!!!... (e você nem pediu....).

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