segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

A forma perfeita


Por diversas vezes ela pensara em fugir. Para dentro de si, ou até mesmo ao fundo de um oceano longínquo, mas, ela estava cansada. Queria fugir. Talvez não queria mais viver, nem ela mais saberia o que sentia ali, dentro do peito, dentro da alma.
Vez ou outra olhava a janela, e observa o mundo, e a falta dele ela maior que aquele mundo. Ela sabia que precisava seguir, ainda contra vontade.
Rezava. Falava com Deus, chorava com a solidão, mas, ela estava só.
Escondia tudo dele dentro dela, dentro do coração. Antes que o coração palpitasse, já estava lá a imagem dele ... como um Semideus ... estava presa ao passado, encarcerada a separação repentina, e desfazendo dia após dia, desmanchava aquele amor.
As vezes era comum ela falar com ele, dele, pra ele ... Mas, subitamente, percebia que era tolice... a separação levara o maior pedaço dela: a vida, por isso, ela penava em fugir, não poderia ir ao encontro dele, não sabia por onde ele andaria naquele universo ingrato e frio. Cansou de não se mais ela.
Cansou de estar só.
Cansou de busca-lo em outras bocas... outros corpos... era como uma traição ...
Por isso, ela estava ali, frente aquele mar nesse dia frio ... foi ali que tudo começou .... A conchinha que a onda trouxe e rolou até seus pés miúdos... e ele, como era um tanto curioso, perseguia aquela conchinha, “ uma forma perfeita! Permita-me? Levante seus pés, antes que a próxima onda a leve”... Ela sorriu e fez de suas mãos uma conchinha e agarrou a “ forma perfeita” e entregou ao arqueólogo do mar .... A troca de mãos pra forma perfeita não precisou de tantos cuidados assim, e ele em seguida guardou num balde.... Olharam os dois e sorriram .... e seguiram por aquela   praia fria ...os dois aspirantes a arqueólogos...
Ela hipnotizada ainda lembrava de tudo.  Nunca mais achou outra “ forma perfeita” que guardava em seu peito em forma de pingente ....
Drasticamente ele se perdeu no mar, numa viagem rotineira. O mar o levou. E ela ficou.
Estava cansada de viver sem ele. Ouvira de várias pessoas que por onde ele estivesse, ele estava a olhar por ela... ela ria... “ deve estar procurando por conchinhas.... Não por mim”...
Arrumou o lenço, aconchegou em seu casaco, a onda que ia e vinha não a incomodava mais, continuou andando .... de repente , distraída olhando o vasto mar e céu, fora interrompida.... “ Senhora! Senhora! ... por favor... pare... !!” Ela olhou aquele jovenzinho, investigou cada detalhe daquele rostinho ... “ oh! O balde... azul como ..como...” ... “ não dê mais nenhum passo senhora, é uma conchinha que falta para minha coleção... e a senhora está pisando nela... cuidado por favor...” – disse o rapazinho meio encabulado e aflito ... Ela ente lágrimas  fez o mesmo movimento do passado:  fez uma concha em suas mãos, agarrou aquela concha e entregou ao mini arqueólogo.... e ele agradeceu e pediu desculpas pela pressa...   ficaram os dois  ali, olhando... Para o rapaz, foi sorte uma senhora respeitar suas buscas ...para ela, uma dádiva, mesmo que não fosse ele, era ele de qualquer maneira...
Caminharam pela praia . A cada passo ela olhava para trás, e reparava que as ondas apagavam suas pegadas ...
Seguiu.
Chorando.
Abandonando o passado.
Era dor, era alivio, era saudade, mas, dessa vez, ele fez a partida... sem ela...
Para felicidade da vida, ela segurava o balde .... Cheio de “ formas perfeitas”....









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